Por Roberto Sgrott da Silva – Engenheiro de Segurança do Trabalho, ergonomista em formação pelo CNAM/França, consultor do Sesi Paraná
Os primeiros resultados do NTEP – Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário, que completa pouco mais de dois anos, evidenciam a importância da ergonomia como ferramenta de gestão na prevenção dos riscos ocupacionais junto às empresas.
Analisando-se as estatísticas divulgadas pelo Ministério da Previdência Social, podemos verificar que a concessão de benefícios “Auxílios-Doença Acidentários” (ou as chamadas doenças ocupacionais) aumentou consideravelmente nesse período. Das doenças analisadas, destacamos as que têm relação com os fatores de risco ergonômicos, ou seja, ambientes de trabalho que não utilizam práticas ergonômicas na gestão da melhoria contínua de seus postos. É o caso das doenças do sistema osteomuscular, que abrangem todas as lesões causadas por esforços repetitivos (DORT/LER). Nessas doenças o aumento do registro chegou a 588%.
Também temos outras doenças que podem ter uma relação com os fatores de risco ergonômico (de maneira direta ou indireta), são as chamadas doenças relacionadas com transtornos mentais e comportamentais, que abrangem as doenças mentais devido ao uso de álcool e drogas, esquizofrenia, transtornos de humor, distúrbios de conduta, episódios depressivos, reações ao stress. Nessas houve um acréscimo de 2.094%.
O resultado final mostra um aumento de 253% nas concessões de auxílio-doença acidentário, considerando-se os dados de 2006 (pré-NTEP) em relação aos dados de 2008 (pós-NTEP).
Para compreendermos um pouco melhor esses dados, quando ocorre um processo de solicitação de benefício junto à Previdência Social existe um dado requerido obrigatoriamente, que é o registro do diagnóstico do problema de saúde que motivou a solicitação. Esse diagnóstico, de acordo com a Organização Mundial da Saúde – OMS, é padronizado e codificado, recebendo o nome de Classificação Internacional de Doenças – CID. Esse dado é preenchido pelo médico perito do INSS que prestou o atendimento e é exigido para a concessão de benefício, seja relacionado ao trabalho ou não.
Tomando-se o CID como base primária, criou-se uma correlação com os segmentos econômicos (via código CNAE – Classificação Nacional de Atividade Econômica), a fim de evidenciar os perigos/riscos típicos daquele local de trabalho, que levam a uma possível doença do trabalho. Esta correlação está assentada estudos científicos baseados nos fundamentos da estatística e epidemiologia.
A partir de 10 de abril de 2007, todos os benefícios solicitados a Previdência Social, estão sendo enquadrados – via sistemas informatizados do INSS – de natureza acidentária ou de natureza previdenciária, tomando-se com base a relação CID X CNAE.
Na outra dimensão, pela legislação Previdenciária vigente, os benefícios concedidos em razão do grau de incidência de incapacidade laborativa decorrente dos riscos ambientais do trabalho e a aposentadoria especial são financiados com as alíquotas de 1, 2, ou 3% incidentes sobre a folha de pagamento, conforme o ramo da atividade. Essas contribuições são pagas, independente da qualidade de seu ambiente de trabalho. Vale dizer: se uma indústria investe na melhoria do ambiente de trabalho, eliminando ou reduzindo os riscos existentes, esta mesma empresa pagará à mesma contribuição que outra empresa que não faz nenhum investimento.
A Lei 10.666, de 2003, em seu art. 10, prescreve que a alíquota de 1%, 2% ou 3%, por empresa, poderá ser reduzida pela metade, ou até dobrar, de acordo com os índices de freqüência, gravidade e custo dos acidentes de trabalho. Ou seja, empresas que investirem em prevenção de acidentes de trabalho poderá receber até 50% de redução dessa alíquota e, em dimensão oposta, onerar-se em até 100%. Vale lembrar que, as variáveis freqüência, gravidade e custos, foram obtidos através de analise estatística dos benefícios concedidos a empregados durante o período de 04/2004 a 12/2006.
O início da aplicação do FAP estava previsto para 01 de Janeiro de 2008, porém foi prorrogado para 01 de Janeiro de 2009 e depois para 01 de Janeiro de 2010. Diante dessas mudanças e dos impactos aqui expostos, se constitui um alerta suficiente para que as indústrias desencadeiem um rol de medidas preventivas, visando à minimização dos passivos que poderão impactar substancialmente a sustentabilidade de seus negócios.
Considerando-se os percentuais de aumento nos registros das doenças osteomusculares e das doenças mentais (estudadas e tratadas pela ergonomia), é de fundamental importância que a empresa evidencie o que vem desenvolvendo em termos de prevenção, de melhorias nos locais de trabalho, de elevação da consciência prevencionista das suas lideranças e empregados, e da melhora da qualidade de vida na sua empresa.
Basicamente, uma Análise Ergonômica do Trabalho – AET é composta por três etapas, sendo: análise, diagnóstico e implantação. Essas etapas devem ser vistas como um processo, buscando-se sempre a melhoria contínua, pois uma solução ergonômica não é permanente, ela é passível de mudanças, ou melhorias, de acordo com a evolução da consciência dos atores 3/5
envolvidos. Uma melhor explicação do teor de uma análise está nas palavras de WISNER (2004), quando cita que é pela via da análise da atividade que podemos desvelar e dar valor à variabilidade das situações de trabalho e à variabilidade biológica e psicológica dos trabalhadores.
De acordo com ABRAHÃO et al. (2009) uma ação ergonômica comporta as seguintes fases:
- ü Análise da demanda;
- ü Informações sobre a empresa;
- ü Levantamento das características da população;
- ü Escolha das situações de análise;
- ü Análise do processo técnico e da tarefa;
- ü Observações globais e abertas da atividade;
- ü Elaboração de um pré-diagnóstico;
- ü Observações sistemáticas – análise dos dados;
- ü Validação;
- ü Diagnóstico; e
- ü Recomendações e transformação.
Cada uma dessas fases deve integrar as bases da abordagem ergonômica que pressupõe: Estudo centrado na atividade real do trabalho; Globalidade da situação de trabalho; e Consideração da variabilidade, tanto a decorrente da tecnologia e da produção quanto a dos trabalhadores.
Tomando-se por base os pressupostos defendidos por ABRAHÃO et al. (2009), pinçaremos algumas dicas no sentido de explicar um pouco mais cada uma das fases citadas acima.
- ü Análise da demanda
Inicialmente a demanda é gerada com foco num problema a ser resolvido, numa situação bem pontual e que na maioria das vezes desconsidera o contexto global ou suas interfaces. A sua análise permite reformular e hierarquizar os diferentes problemas colocados articulá-los e, algumas vezes, podem até mesmo evidenciar novos problemas.
ü Informações sobre a empresa
É fundamental que o ergonomista conheça a empresa, em seus aspectos organizacionais, históricos, econômicos, particularidades, eventuais regulações por agencias do governo e a articulação com os atores envolvidos na prevenção. Nesta fase, ocorrem a analise de 4/5 documentações e as entrevista iniciais com os interlocutores da situação de trabalho, com o objetivo de compreender, ou melhor, situar, a demanda inicial no contexto da empresa.
ü Levantamento das características da população
Basicamente aqui são os dados fundamentais: idade, gênero, formação, experiência, tempo de
trabalho, jornada de trabalho, treinamentos, entre outros. A grande pergunta a ser feita é: “a qual população o trabalho deve ser adaptado?”.
ü Escolha das situações de análise
Para entrar um pouco nos termos técnicos, vamos trocar situações por tarefas, ou seja, qual atarefa a ser analisada?
Devemos ter em mente a complexidade que envolve essas questões, e não devemos esquecer da demanda inicial, das queixas, dos problemas já levantados e das possibilidades de transformação.
“Escolher a tarefa a ser analisada é construir uma série de hipóteses…”.
ü Análise do processo técnico e da tarefa
Dentro de um modelo bem simplista, toda tarefa está inserida num processo técnico, com início (insumos), meio (processamento de informações e transformações) e fim – produto e/ou serviço. Para que o ergonomista possa analisar as tarefas envolvidas, ou algumas delas, ele precisa ter intimidade com este processo e perceber os impactos sobre a tarefa em estudo.
Dentro da analise da tarefa, temos que organizar as informações de modo há: ter domínio dos dados técnicos referentes à situação de trabalho; gerar hipóteses para elaborar o pré-diagnóstico; dispor de elementos para a demonstração e comunicação com os interlocutores.
ü Observações globais e abertas da atividade
Essa etapa é de fundamental importância para o levantamento das principais variáveis que contribuem para o problema identificado na demanda inicial, e que por sua vez contribuíram para a construção das possíveis soluções.
“As observações podem ser centradas na estrutura dos processos técnicos, no arranjo físico, nas ferramentas e nos meios de comunicação ou ainda nas relações entre essas variáveis”.
ü Elaboração do pré-diagnóstico
Esta fase é de buscar uma coerência entre as informações obtidas até o momento (observações, entrevistas, analise documental…), de maneira articulada entre todas as fases já 5/5 citadas, onde é solicitada a contribuição dos conhecimentos do ergonomista, visando à elaboração de varias hipóteses.
ü Observações sistemáticas
“A observação sistemática é realizada a partir de um recorte das ações dos trabalhadores.
Observar a atividade ajuda a distinguir as dimensões relevantes que se quer demonstrar em referencia as hipóteses formuladas…”.
O termo “sistemáticas” é empregado no sentido de coletar informações com objetivos precisos. Nesse momento, podemos utilizar variáveis como: localização e deslocamentos; exploração visual; comunicações; posturas; as ações; as verbalizações; os instrumentos utilizados; o ambiente físico, entre outros.
ü Validação
O objetivo aqui é que se traduzam os dados obtidos através do funcionamento da empresa, do processo técnico, da produção, dos dados de saúde…, a fim equalizar as informações e ter a aceitação de todos, dando foco nas ações que impliquem, ou que tenham relação, com as proposições de mudanças.
ü Diagnóstico / Recomendações e transformação
Basicamente é o fechamento da AET no sentido de validar as hipóteses do pré-diagnostico (que às vezes pode ser refutado) e fornecer subsídios para o processo decisório com relação ao planejamento das recomendações e transformações necessárias.
Não podemos negar que um FAP reduzido irá evidenciar o bom desempenho da saúde e segurança do trabalho da indústria, a melhoria nas relações de trabalho e dos níveis de produtividade, menos impostos, induzindo a redução de prejuízos e passivos trabalhistas, e quando divulgado, poderá resultar na melhoria da imagem da empresa, acarretando vantagens competitivas e econômicas.
Cabe a cada organização, a definição de sua política de prevenção e as escolhas dos métodos de analise e melhoria das condições de trabalho.
Referências Bibliográficas
____ABRAHÃO, Júlia; SZNELWAR, Laerte; SILVINO, Alexandre; SARMET, Maurício; PINHO, Diana. Introdução à Ergonomia: da prática à teoria. São Paulo Blucher, 2009.
____WISNER, Alain. Antropotecnologia. Rio de Janeiro, 2004.