
Artigo publicado originalmente no Monitor Mercantil
Por Edson Vasconcelos
A imposição de tarifas de 50% sobre produtos brasileiros, formalizada por decreto do presidente dos Estados Unidos, não pode ser tratada como um episódio isolado ou meramente comercial. Trata-se de um sinal claro de reposicionamento estratégico do maior mercado consumidor do mundo, que movimenta cerca de 3,6 trilhões de dólares em importações anuais, e que, com essa medida, reduz ainda mais a presença do Brasil em sua matriz de abastecimento. Hoje, o Brasil representa apenas 1,1% desse total, com aproximadamente 40,3 bilhões de dólares em exportações anuais aos EUA, um índice que pode cair para ínfimos 0,5% com a perda de mercado prevista para os produtos incluídos na taxação. Essa desconexão precisa ser enfrentada com estratégia e não com retórica.
Desde o início desse processo, defendemos que a resposta do Brasil fosse institucional, técnica e ponderada. Sugerimos que não se ativasse a Lei da Reciprocidade, a fim de evitar que qualquer gesto fosse interpretado como retaliação hostil. A diplomacia comercial exige moderação, especialmente quando o objetivo é preservar mercados e mitigar prejuízos. Graças a esse esforço, conseguimos prorrogar prazos de embarque e minimizar perdas logísticas e comerciais imediatas.
Contudo, é necessário reconhecer que o governo brasileiro demorou a reagir com a firmeza e agilidade necessárias. Desde os eventos do BRICS, houve uma escalada retórica que acabou sinalizando um afastamento estratégico injustificado. Confundiu-se soberania com confronto, quando o Brasil, na verdade, precisa atuar como parceiro global competitivo, sem jamais renunciar à sua autonomia.
A escalada ideológica e política tem sobreposto a racionalidade econômica. Isso fragiliza a previsibilidade das relações internacionais e compromete a atuação da indústria nacional, setor que gera superávits, aporta divisas e fortalece as reservas do país. Não se pode ignorar que somos vendedores e os clientes, como os Estados Unidos, são atores centrais no sistema internacional. A abertura comercial não é um capricho, mas uma necessidade.
A substituição do mercado americano por outros destinos, como o asiático, não é simples. O comércio com a China, por exemplo, é fortemente vinculado à cadeia de segurança alimentar e não aos produtos com valor agregado, que são justamente os mais impactados pelas novas tarifas. Em suma, quando se trata de bens industriais sofisticados, o mercado americano ainda é insubstituível.
No caso do Paraná, estado com vocação industrial consolidada e forte presença no agronegócio, os efeitos do tarifaço são significativos. Até o momento, apenas 3% da nossa pauta exportadora para os EUA, que totalizou 1,6 bilhão de dólares em 2024, ficou completamente isenta da nova tarifação. A maior parte dessas vendas, somando US$ 1,19 bilhão, está concentrada em produtos dos setores de madeira, móveis, carne, café e mate, pescados, couro e calçados, mel, metalmecânico, siderurgia, papel e celulose, cerâmica e sucos. Juntos, esses segmentos são responsáveis por mais de 380 mil empregos diretos e 240 mil indiretos no estado.
A maior apreensão paira sobre o setor de madeira industrializada paranaense, que foi responsável por 615 milhões de dólares em exportações para os EUA no ano passado, representando quase 40% das vendas do estado para o país. Um cenário ainda mais preocupante porque muitas indústrias que trabalham com produtos como madeiras perfiladas, molduras e outros insumos da construção civil são focadas quase exclusivamente em vendas para os EUA, chegando a ter uma taxa de até 97% de sua produção destinada ao mercado norte-americano. Outros segmentos, como os de madeira compensada e serrada, dedicam entre 40% e 50% de suas produções para os EUA.
Em todo o Paraná, o setor madeireiro emprega diretamente mais de 38 mil trabalhadores, sendo o principal gerador de postos de trabalho industriais em diversos municípios. Para se ter uma ideia, em cidades como Bituruna e União da Vitória, ambas na região Sul do estado, esse segmento chega a responder, respectivamente, por 87% e 61% do total de empregos na indústria de transformação local. Perdas de negócios e consequentes paralisações da produção nessas empresas devido às novas tarifas norte-americanas certamente vão causar um forte impacto na economia regional.
Todo esse cenário gera um ambiente frágil para quem exporta e destina parte ou a totalidade de sua produção para o mercado externo. E é justamente essa fragilidade que precisa ser enfrentada com uma nova estratégia comercial. O Brasil perdeu oportunidades valiosas nos anos 1990, quando poderia ter se integrado às cadeias globais de valor. Agora, precisa recuperar terreno com políticas industriais que combinem inovação tecnológica, previsibilidade regulatória e inserção internacional qualificada.
Nossa defesa é objetiva. Retomar o protagonismo internacional do Brasil como fornecedor confiável e competitivo. Um país, como sempre foi em sua história, amigo de todas as nações no comércio exterior. E que, ao eventualmente ser pressionado por qualquer um dos eixos, deveria manter uma neutralidade amistosa, principalmente quando se trata do eixo democrático-ocidental.
Mais do que isso, entendemos que, para ampliar seu protagonismo no cenário comercial global, o Brasil precisa também fazer sua lição de casa. Isso exige a viabilização de acordos bilaterais modernos e uma a consciência de que, acima de tudo, a abertura comercial é um compromisso com o desenvolvimento industrial. Por isso, precisamos de um Estado que atue como indutor da competitividade e não como agente de paralisia. Um Estado que promova uma agenda de reformas consistente e que esteja comprometida, especialmente, com os segmentos mais suscetíveis a essa abertura comercial.
O setor produtivo está pronto para cumprir seu papel. Mas ele precisa operar em um ambiente racional, estável e voltado ao futuro. Se continuarmos à margem dos fluxos comerciais centrais, tratando questões estruturais como episódios diplomáticos, corremos o risco de sermos irrelevantes na nova ordem econômica global. Não há soberania em permanecer isolado. Há soberania em liderar com estratégia e visão.
Edson Vasconcelos é engenheiro civil pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), com MBA em Gestão de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e MBA em Negócios Internacionais pela Ohio University (EUA). Desde 2023, é presidente da Federação das Indústrias do Estado do Paraná (Fiep).